Thiago Barbosa


Farol da esperança é uma das poucas esquinas da minúscula cidade de Patiobinha do Norte, situada a oitocentos e trinta quilômetros da capital do Estado de São Judas de Perde-botas. Cidade que, apesar do diminuto tamanho, dispõe de pomposos recursos em seus cofres. Entretanto, a divisão de renda do município está distante da eqüidade tão sonhada pelos justiceiros sociais. Boa parte dos desventurados que reside em Patiobinha ganha a vida nesta esquina, parados na calçada e aguardando o fechamento do sinal para mais uma das muitas tentativas não compensadas de conseguir um trocado para comer. Malabares, peripécias, limpa-vidros profissionais, vendedores de balas, diversas são as formas de abordagem para angariar um vintém e poucos os resultados obtidos. Nesta esquina tenta a sorte também o garoto Purrão, morador de rua e órfão de pai e mãe. Já era quase meio dia e o dinheiro conseguido por Purrão mal dava para um cafezinho. As desculpas eram sempre as mesmas: "hoje eu não tenho", "outro dia eu dou". Isso quando não lhe mandavam a mãe trabalhar ou simplesmente suspendiam os vidros do carro em sua cara, como se ele viesse a apresentar alguma ameaça.

O garoto, já desesperançado de conseguir no sinal algo que pudesse formar um almoço, começa a caminhar pelas ruas de Patiobinha do Norte, de bar em bar, a ver se arranjava ao menos alguma sobra de comida para preencher o bucho. Ao cruzar a Rua Nova e adentrar a Praça Principal, deparou-se Purrão com uma soma de pessoas bem trajadas diante de um imponente palanque, onde se realizava a solenidade de posse do segundo mandato do prefeito Barbatana. Autoridades políticas, religiosas, imprensa e os principais representantes do empresariado local se faziam presentes. Purrão era pequeno demais para entender o que estava acontecendo, mas seus anos de vivência nas ruas a pedir esmola eram suficientes para acreditar que ele encontraria ali maior facilidade em conseguir as moedas que faltavam para inteirar seu almoço. Achegou-se à multidão, arrancou do bolso a sacolinha de moedas e começou a dura missão.

O Padre Antônio fazia o último dos trocentos e tantos discursos enfadonhos de congratulações ao prefeito Barbatana e, entre a leitura de um e outro versículo bíblico, fazia mensão às benfeitorias do Governo Municipal no primeiro mandato, sobretudo as de ordem social.

- Graças à dedicação e a competência de nosso eminente prefeito Barbatana é que a população patiobiense pode se considerar em franco desenvolvimento, os índices de pobreza diminuíram assombrosamente. É notória a melhoria das condições de vida da população carente e a diminuição das disparidades sociais. Viva o Barbatana!

As palavras da autoridade religiosa eram regadas a efusivos aplausos e ensurdecedores assobios. Os fogos encobriam o céu, a formar extensas nuvens de fumaça. As pessoas se abraçavam e gritavam urras ao prefeito, o mesmo respondia com um V de vitória, apontando para a multidão o fura-bolo e o obseno. Purrão continuava na sua empreitada em coletar moedas, mas todo aquele alvoroço tornava surdas as pessoas diante dos pedidos do garoto e despercebida a sua presença diante do mar de gente que delirava a exaltar o prefeito que promovera a igualdade social em Patiobinha do Norte.

No dia seguinte, os principais jornais da cidade expunham em suas manchetes os números do primeiro mandato de Barbatana. No CORREIO PATIOBIENSE a manchete vinha com a foto da solenidade e com o seguinte título: "Prefeito da mudança é aclamado pela população". "Desigualdades sociais diminuem em 91% em Patiobinha" estampou o A CARTA DE PATIOBINHA, e "Diminui a exclusão social nos últimos quatro anos" era o destaque do DIÁRIO DE PATIOBINHA.

Na noite fria de Patiobinha do Norte, depois de os jornais serem consumidos pelos moradores, que se embasbacavam com os expressivos números de desenvolvimento social do município, a manchete da diminuição das desigualdades sociais em 91% em Patiobinha acobertava o corpo de Purrão e o protegia da baixa temperatura.
4 Responses
  1. como se sabe, jornal não é só pra embrulhar peixe na feira.
    Isso mostra também a responsabilidade do jornalista, algum deles foi averiguar os números?

    Parabéns!


  2. Anónimo Says:

    então...!
    parabéns amigo. Competência, trabalho e carisma são ingredientes para o sucesso. Abs. MARCOS CABIDELLI.


  3. Débora Says:

    quero ver se esse blog agora vinga. :D

    a propósito, queria saber o que vc vai fazer com o seu diploma.. pode até usar pra acender a fogueira, né?

    haha.

    boa sorte com o novo blog. vou mudar o endereço do seu lá no meu.

    :*


  4. Como sempre algo de cunho social.

    Grande Thiago :)

    Tô aqui acompanhando, brôu.